Futuro da Língua Portuguesa
Na Super(des)interessante deste mês há uma matéria sobre o futuro da Língua Portuguesa, na página 86.
A matéria destaca pontos relevantes, como influência de línguas estrangeiras, neologismos, perífrase, flexão à esquerda e regionalismos, todas tendências válidas que acrescentam riqueza e modificam a língua ao longo dos anos.
No entanto a abordagem da matéria é tendenciosa, americanista e exagerada, uma luta aberta contra a unidade cultural lusófona.
Há uma defesa disfarçada do gerundismo e outros estrangeirismos que prejudicam a evolução natural da língua sem acrescentar nada. Eu não vejo ninguém pelas ruas dizendo «vou estar podendo», só atendentes telefónicos pedantes que tentam fazer o Português se parecer mais com o Inglês.
Eu digo «vou poder», como 99% da população.
Realmente o Português do Brasil é rico em gerúndio, mas daí a forçar o uso esdrúxulo é um abismo!
O autor justifica o estrangeirismo através da agilidade das comunicações da atualidade, mas onde essa agilidade se mostra inconveniente para sua louca tese, ela simplesmente desaparece do texto.
Realmente algumas palavras e expressões, como show, blockbuster, best seller, soufflé (suflê), puré (purê ou pirê), abatjour (abajur) e marketing foram integradas ao falar cotidiano, mas dizer que kisses, let's go, whatever e target também é ser muito pedante.
Aliás achei engraçadíssimo ver a crítica do Luli ao dizer que quando se diz «plano» ou «planejamento» é feio, mas quando se diz «planning» as pessoas acham bonito.
Outra coisa horrível do texto foi confundir vocabulário com gramática.
O autor cita a mudança no conjunto de vocábulos em uso como se fosse mudança na língua. Um fenómeno curioso é que, salvo alguns savants, uma pessoa pode decorar quase todo o dicionário de uma língua estrangeira e não vai conseguir se comunicar tão bem quanto uma criança de quatro ou cinco anos com um vocabulário bem mais humilde.
Não é o vocabulário que faz a língua. O vocabulário usual de uma língua pode mudar em poucas décadas sem alterar a língua em si. O exemplo da Carta do Descobrimento, de Pero Vaz de Caminha, é simplesmente imbecil: é preciso um dicionário para lê-la, mas as palavras estão lá em NOSSO dicionário, algumas apenas caíram em desuso.
Também a gramática não mudou muito: é possível entender a construção das frases sem dificuldade.
O que faz a língua são os falantes, mas o que define a língua é sua gramática. E duvido muito que a Gramática Portuguesa mude tanto em tão pouco tempo como sugere o autor.
Novamente o autor confunde convenientemente vocabulário e gramática para justificar sua tese.
Se você reparar nas mudanças na Língua Portuguesa nos últimos quinhentos anos, as mudanças que o autor propõe estão muito além. Eu diria que, no mínimo, o dobro. Nesse período de tempo outras tendências irão fatalmente aparecer, tornando lixo tudo o que o autor propôs.
Para fechar, nesse clima de ode ao estrangeirismo, o autor esquece convenientemente de dizer que a tendência do abandono do plural redundante não é nova, mas é influência da cultura indígena.
Em Tupi, não se diz «um peixe», «dois peixes», se diz «pirá oîepé», «pirá mokõî». Quando se quer dizer que há mais de um, mas não um número exato, é usado etá (muitos): «pirá etá» (muitos peixes).
Está feita aqui minha crítica e gostaria novamente de convidar todos a uma luta a favor de nossa identidade linguística, resgate cultural, educação, bom uso da tecnologia e uma ferramenta de comunicação interlinguística que respeite as identidades culturais individuais, e contra esses propagandistas deletérios culturais.
[]'s
Cacilhas, La Batalema