2008-01-19

Escala diatónica

Berimbau Nossa música é quase totalmente europeia, apesar de algumas influências de outras partes do mundo, como da música africana – que atribui um ritmo mais interessante e sua característica modal – e asiática – mais rara na nossa cultura e que trás relações curiosas como o quarto de tom.

A música europeia tem origem na música judaica e, um pouco menos, no que sobrou da grega. Altamente tonal, a maior parte da música europeia é diatónica.

A escala diatónica é formada por sete graus, representando a sobreposição de dois tetracordes separados por um tom ou, menos frequentemente, por um semitom.

— Mas de onde veio a escala diatónica?

Foi criada por Pitágoras, filósofo grego dos séculos VI e V a.C. Pitágoras era mais religioso do que filósofo e formou comunas no Egito com seus seguidores, chamados matemáticos – que não tinham muito a haver com os matemáticos da atualidade. Eles acreditavam que a natureza se constitui de elementos discretos e pode ser representada numericamente, além de outras teorias muito a frente de seu tempo.

Um dos estudos naturais mais importantes dos matemáticos era a música e Pitágoras definiu a escala musical a partir de elementos matemáticos discretos.

Ele começava com uma corda, que vibrava e produzia um som. Esse som é chamado tónica, porque determina o tom da escala.

Então ele prendia a corda na metade (1/2) e vibrava umas das partes. A metade da corda vibra com o dobro da frequência. Atualmente chamamos esse grau de oitava, que também forma uma tónica.

Depois ele predia um terço (1/3) da corda, fazendo vibrar os outros 2/3. Esse som possui frequência igual a 3/2 da tónica e é chamado dominante.

Depois ele prendia a um quarto (1/4) fazendo vibras os outros 3/4. Esse som possui frequência igual a 4/3 da tónica e é chamado subdominante.

Então ele prendia a um quinto (1/5) fazendo vibras os outros 4/5. Esse som possui frequência igual a 5/4 da tónica e é chamado mediante.

Já temos então quatro graus: 2/1 (tónica), 3/2 (dominante), 4/3 (subdominante) e 5/4 (mediante).

Pitágoras então aplicava a dominante sobre os graus obtidos:

  • 3/2 × 3/2 = 9/49/8
  • 4/3 × 3/2 = 2/1
  • 5/4 × 3/2 = 15/8
  • 9/8 × 3/2 = 27/16


Temos então sete graus:
  • 9/8 – supertónica ou submediante – II
  • 5/4 – mediante – III
  • 4/3 – subdominante – IV
  • 3/2 – dominante – V
  • 27/16 – relativa – VI
  • 15/8 – sensível – VII
  • 2/1 – tónica – I


No século XVII, o italiano Josefo Zarlino conseguiu consonantar melhor a relativa, aplicando-lhe relação de primos. Então a frequência da relativa mudou de 27/16 (= 1.6875) para 5/3 (= 1.6666…) – [update 2008-01-21]que equivale a prender 2/5 da corda[/update]:
  1. 1/1 – tónica
  2. 9/8 – supertónica ou submediante
  3. 5/4 – mediante
  4. 4/3 – subdominante
  5. 3/2 – dominante
  6. 5/3 – relativa
  7. 15/8 – sensível
  8. 2/1 – oitava (tónica)


A mesma escala se repete geometricamente, sempre dobrando as frequências a cada oitava.

Portanto a escala diatónica foi desenvolvida de forma totalmente matemática.

[]'s
Cacilhas, La Batalema

2008-01-18

Escalas cigana e de blues

Berimbau Um assunto que adoro e não tenho abordado é Música.

Não tive formação académica, sou autodidata, mas não como a maioria. Minha avó e minha mãe eram cantoras e me empurraram teoria guela abaixo. =/

Foi assim que acabei aprendendo.

Feita a apresentação, queria falar de duas escalas exóticas interessantes, a escala cigana e a escala de blues.

Dois fatos comuns a essas duas escalas são a ocorrência de cromatismo e que a maioria dos músicos (autodidatas) não as usam.

Escala cigana


A escala cigana é uma escala exótica menor usada obviamente pelos povos ciganos. Também foi muito usada no Romantismo.

Os músicos que desconhecem essa escala a confudem com a escala harmónica, não sem motivo, pois as duas escalas são muito parecidas.

A escala harmónica é parecida com o modo eólio da escala diatónica, mas com a sétima maior. Por ex.: dó, ré, mib, fá, sol, láb, si, dó.

A escala cigana é parecida com a harmónica, mas a quarta é aumentada – ocorrência de trítono e cromatismo. Por ex.: dó, ré, mib, fá#, sol, láb, si, dó.

Temos então o efeito sonoro interessante herdado da escala harmónica, resultante da sequência da sexta menor, passando pela sensível para a oitava. Além desse, temos o efeito cromático da sequência trítono - dominante - sexta menor.

Esse cromatismo dá margem a explorações melódicas bem diferentes, típicas da cultura cigana.

Escala de blues


É uma escala exótica modal de seis ou sete graus com uma forte influência africana.

A música europeia possui um forte apelo tonal enquanto a cultura africana se mostra modal ao explorar a appoggiatura da mediante menor para a maior – e às vezes vice-versa. Ou seja, não há uma determinação se a mediante é menor ou maior.

Assim como alguns músicos confundem a escala cigana com a harmónica, também confundem a escala de blues com a escala pentatónica e novamente não sem motivo.

A escala pentatônica é uma escala tonal bem primária, formada por cinco graus básicos, como por exemplo: dó, mib, fá, sol, sib, dó.

Já a escala de blues mostra duas diferenças em relação à pentatónica: primeiro seu caráter modal, segundo a presença de mais um grau, o trítono, atribuindo-lhe também caráter cromático.

Então o exemplo blues equivalente ao anterior é: dó, mib ↔ mi, fá, fá#, sol, sib, dó.

Novamente temos a possibilidade de explorar o cromatismo, agora subdominante - trítono - dominante.

No entanto o que dá à escala de blues seu diferencial é justamente seu caráter modal, que, associado ao ritmo ternário e gingado, dá ao blues um impressionante ar negro.


Pretendo falar alguma coisa sobre as escalas be-bop de oito graus do jazz.

[]'s
Cacilhas, La Batalema

2008-01-05

Segredo e mistério

lâmpada Tenho orgulho de ser e sempre ter sido uma pessoa transparente, sem segredos. No entanto não deixo de ter meus mistérios.

— Como assim? Transparente, sem segredos, ter mistérios… =/

O fato é que mistério não é segredo, não é algo oculto. Mistério é algo que necessita de tempo e entendimento.

As pessoas que me conhecem – minha esposa não me deixa mentir – me comparam a um abismo: aberto, mas profundo; é preciso mergulhar para vislumbrar seus mistérios.

Toda essa enaltação megalomaníaca foi apenas para exemplificar e introduzir o tópico: segredo × mistério.

Segredo é algo que não carece de tempo e pesquisa para ser compreendido, basta ser revelado. É algo simples que está escondido para agregar um caráter de importância que não possui. Quase sempre o objetivo de um segredo é criar desinformação e uma falsa impressão de mistério.

Salvo quando o segredo protege a privacidade de alguém, a maior parte das pessoas que fazem segredo são pessoas rasas, sem mistérios na vida e que sentem falta disso, então fazem segredos para preencher a lacuna.

Mistério é algo que pode estar na frente do nariz, mas requer tempo, conhecimento e percepção para ser compreendido.

A busca por mistérios é a cruzada do dia-a-dia: a cada mistério compreendido, nos tornamos mais capazes, mais sociais. Isso porque as relações sociais – familiares, profissionais, amizades, amores… – são o caminho para os mistérios.

Vejo as pessoas como universos individuais: cada uma com suas próprias leis naturais, com sua própria psiquê. As relações sociais são janelas para outros universos, cheios de mistérios.

Mas pessoas cheias de segredos em geral são superficiais, usam seus segredos para emular uma profundidade inexistente; universos sem muito a oferecer. É como mudar uma unidade de medida para fingir importância.

Como por exemplo dizer que um copo tem oito mil mícrons de profundidade em vez de oito milímetros. Oito mil parece um valor alto, mas é totalmente ilusório… tente beber qualquer coisa em um copo assim…

Segredos são isso: mudar a unidade para fingir o que não existe – reiterando: exceto no caso de proteção de privacidade!

Voltando à analogia dos universos individuais, pessoas abertas costumam ser profundas e trazer mistérios interessantes: são universos profundos.

Tenho uma teoria: são justamente os segredos que impedem a pessoa de crescer!

A pessoa perde a referência e não consegue compreender, nem mesmo enfrentar mistérios, porque os segredos – ou sua manutenção – cobrem o entendimento como um manto impedindo que a pessoa tenha a força necessária para mergulhar em um mistério.

Fica então aqui minha dica: se você gosta de segredos, pára com isso! Seus segredos estão inibindo seu próprio crescimento, é um ciclo vicioso. =(

[]'s
Cacilhas, La Batalema