A Religião do Consumismo
O Financial Times de Londres noticiou que a Young & Rubicam, uma das maiores agências de publicidade do mundo, divulgou a lista das dez grifes mais reconhecidas por 45.444 jovens e adultos de 19 países. São elas: Coca-Cola (35 milhões de unidades vendidas a cada hora), Disney, Nike, BMW, Porsche, Mercedes-Benz, Adidas, Rolls-Royce, Calvin Klein e Rolex.
«As marcas constituem a nova religião. As pessoas se voltam a elas em busca de sentido», declarou um diretor da Young & Rubicam. Disse ainda que essas grifes «possuem paixão e dinamismo necessários para transformar o mundo e converter as pessoas em sua maneira de pensar».
A Fitch, consultoria londrina de design, no ano passado realçou o caráter «divino» dessas marcas famosas, assinalando que, aos domingos, as pessoas preferem o shopping à missa ou ao culto.
Em favor de sua tese, a empresa evocou dois exemplos: desde 1991, cerca de 12 mil pessoas celebraram núpcias nos parques da Disney World, e estão virando moda os féretros marca Halley, nos quais são enterrados os motoqueiros fissurados em produtos Halley-Davidson.
A tese não carece de lógica. Marx já havia denunciado o fetiche da mercadoria. Ainda engatinhando, a Revolução Industrial descobriu que as pessoas não querem apenas o necessário. Se dispõem de poder aquisitivo, adoram ostentar o supérfluo. A publicidade veio ajudar o supérfluo a impor-se como necessário.
A mercadoria, intermediária na relação entre seres humanos (pessoa- mercadoria- pessoa), passou a ocupar os pólos (mercadoria- pessoa- mercadoria). Se chego à casa de um amigo de ônibus, meu valor é inferior ao de quem chega de BMW. Isso vale para a camisa que visto ou o relógio que trago no pulso.
Não sou eu, pessoa humana, que faço uso do objeto. É o produto, revestido de fetiche, que me imprime valor, aumentando a minha cotação no mercado das relações sociais. O que faria um Descartes neoliberal proclamar: «consumo, logo existo».
Fora do mercado não há salvação, alertam os novos sacerdotes da idolatria consumista.
Essa apropriação religiosa do mercado é evidente nos shopping centers, tão bem criticados por José Saramago em A Caverna. Quase todos possuem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas. São os templos do deus mercado. Neles não se entra com qualquer traje, e sim com roupa de missa de domingo. Percorrem-se os seus claustros marmorizados ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Ali dentro tudo evoca o paraíso: não há mendigos nem pivetes, pobreza ou miséria. Com olhar devoto, o consumidor contempla as capelas que ostentam, em ricos nichos, os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode pagar à vista, sente-se no céu; quem recorre ao cheque especial ou ao crediário, no purgatório; quem não dispõe de recurso, no inferno. Na saída, entretanto, todos se irmanam na mesa «eucarística» do McDonald's.
A Young & Rubicam comparou as agências de publicidade aos missionários que difundiram pelo mundo religiões como o cristianismo e o islamismo. «As religiões eram baseadas em idéias poderosas que conferiam significado e objetivo à vida», declarou o diretor da agência inglesa.
A fé imprime sentido subjetivo à vida, objetivando-a na prática do amor, enquanto um produto cria apenas a ilusória sensação de que, graças a ele, temos mais valor aos olhos alheios. O consumismo é a doença da baixa auto-estima. Um São Francisco de Assis ou Gandhi não necessitava de nenhum artifício para centrar-se em si e descentrar-se nos outros e em Deus.
O pecado original dessa nova «religião» é que, ao contrário das tradicionais, ela não é altruísta, é egoísta; não favorece a solidariedade, e sim a competitividade; não faz da vida dom, mas posse. E o que é pior: acena com o paraíso na Terra e manda o consumidor para a eternidade completamente desprovido de todos os bens que acumulou deste lado da vida.
Fonte: Ética Global.