Akuzativo por quê?
Recebi de meu professor de Esperanto esta mensagem muito explicativa sobre o uso de acusativo:
Trocentas línguas vivem muito bem sem ideogramas asiáticos (como é o caso do kanji japonês), inclusive existem hoje em dia sistemas de romanização da escrita, então os ideogramas são inuteis?
O português vive muito bem sem os pontos de interrogação e exclamação de cabeça para baixo enquanto o espanhol os tem (e eu não uso quando me aventuro no espanhol para não pressionar Alt + um monte de coisa), esses sinais são inúteis?
O mandarim vive sem artigos, artigos são inúteis?
(…)
A maioria esmagadora dos brasileiros vivem sem nem a cogitação de fazer faculdade, fazer faculdade é inútil? Um monte de matuto vive muitíssimo bem sem precisar ler, aprender a ler é inútil?
Interpreto o acusativo como coerência por parte de Zamenhof, quando o objeto é um pronome do caso reto ele «declina», se torna um pronome oblíquo – me, te, se… no português e espanhol; me, you (que acaba igual ao correspondente), him, her… no inglês. Ora, se eu bato num pronome, o pronome muda, mas se bato numa vaquinha, a vaquinha não muda, pode não prejudicar na compreensão (tanto é que nós nem usamos pronomes oblíquos no dia a dia), mas que é incoerente, é. E o acusativo é uma (mas não a única possível) atitude de coerência na minha opinião…
O que Zamenhof fez foi regularizar a coisa e ser coerente: ao invés de «metamorfoses ambulantes» em pronomes, como acontece no português e no inglês, foi só acrescentar um -n. E aí seguir a coerência com outras coisas, com a mesa, o cachorrinho, a vaca e a espada chinesa também recebendo o -n. E é assim que ensino acusativo aos meus alunos, primeiro em pronomes. É dispensável? Até é… Inútil? Nem é…
Muita coisa está no esperanto por convenção, outras por opção pessoal de Zamenhof (tipo atribuir kurb- para «curvatura» ao invés de kurv-, bem mais internacional, mas no polonês kurwa, de som kurva mesmo, quer dizer prostituta) outras por sagacidade. A língua é essa.
Do raoni:
As seguintes frases, inexistentes em português real, são carentes de indicação do acusativo:
- Eu tu amo
- Ele eu viu
- Você nós escuta
Com o acusativo claro, sem trocar a ordem das palavras, ficariam assim:
- Eu te amo
- Ele me viu
- Você nos escuta
Em esperanto, sem acusativo, as frases ficariam assim:
- Mi vi amas
- Li mi vidis
- Vi ni auxskultas
Com acusativo:
- Mi vin amas
- Li min vidis
- Vi nin auxskultas
Autor: Felipe Queiroz
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