2011-04-29

Emoções: amor e correlatos

lâmpada Andei a pensar em escrever um artigo sobre esse assunto já por algum tempo, mas hoje uma brincadeira de um amigo meu no Facebook me levou às vias de fato.

Como diz outro amigo meu, sou uma força da natureza: altamente passional em tudo, o que me faz ter muita intimidade com as emoções das quais pretendo tratar.

Por outro lado, sou analítico e muito autocrítico, o que me permite entender tais sentimentos em um nível que poucos conseguem, pelo menos os que me afetam.

Expostas minhas credenciais, gostaria de começar dizendo que há pelo menos três emoções diferentes que as pessoas têm dificuldade em distinguir, o que leva a toda confusão sobre o assunto e sobre como tratar cada uma adequadamente dentro de si.

Tratarei de cada uma em particular, mas já adianto que nenhuma das três é capaz de manter uma relação entre duas pessoas por muito tempo.

Há ainda uma quarta emoção, sobre a qual não entrarei em detalhes, pois merece um livro inteiro e mesmo assim só a experiência poderia esclarecê-la.

Quero também deixar claro que esses sentimentos não são excludentes e podem conviver perfeitamente em uma relação.

Amor


A primeira das três emoções é aquela que realmente merece a alcunha de amor. Acredito que seja o que os helénicos chamavam de Φιλία ou Στοργή.

Das três emoções é a única que pode ser alimentada ao exagero sem prejuízos para nenhuma das partes.

Mas o que é esse tal de amor?

Para defini-lo, precisamos encontrar relações onde ele ocorre e compará-las em busca de uma interseção.

O amor de um pai ou uma mãe pelo filho; do filho pelos pais; de um irmão por outro; o amor entre amantes em um casal; entre dois grandes amigos; todas essas emoções são na verdade a mesma.

Mas como o amor entre marido e mulher poderia ser o mesmo amor filial?

Como eu disse, para encontrar o amor verdadeiro precisamos buscar o que há em comum entre essas relações.

Amor não é querer, é bem querer; não é controle, é liberdade; não é possuir, é permitir.

Amor é a necessidade de zelar sem o desejo de envolver. Querer ver o amado feliz, mesmo que longe.

Difícil esse sentimento, não?

Paixão


Essa é uma companheira constante minha e precisa ser domada a cada dia. Posso falar dela com propriedade, pois a paixão é a definição de minha vida.

Paixão é uma necessidade de estar perto, não de possuir, mas de compartilhar.

Paixão não precisa ser por outra pessoa, você pode se apaixonar pelo trabalho que executa, pela Música, pela Matemática, por uma história, até mesmo por objetos, mas essencialmente é a mesma emoção que sentimos quando estamos apaixonados por outra pessoa.

E também não tem necessariamente conotação sexual. Um homem pode estar apaixonado por outro homem ou por uma mulher, uma mulher pode se apaixonar por outra mulher ou por um homem, tudo sem o menor desejo sexual.

Paixão é querer estar junto. Não aquele simples prazer em estar junto, mas aquela vontade gostosa que traz paz quando ocorre a comunhão.

Eu por exemplo constantemente me apaixono por minha esposa, que também é apaixonada por mim; sou apaixonado por meus amigos e amigas; e fico muito feliz quando alguém se apaixona por mim ou pela mesma coisa que eu, querendo minha companhia sempre que possível. Sou muito passional.

Mas a paixão é triplamente perigosa…

A paixão é perigosa em primeiro lugar porque é passageira, sempre. Pode acreditar em mim: se você está apaixonado(a) por alguém, vai passar.

Mesmo no caso de uma pessoa passional como eu, a paixão vai e vem em ondas, não é constante.

Em segundo lugar, a paixão é perigosa porque pode ser confundida com amor! Quando isso acontece, as partes se mascaram e se iludem, e, quando a paixão se esgota, as máscaras caem e vêm a frustração, a mágoa e às vezes até o ódio.

Em terceiro, a paixão é perigosa porque pode sair de controle.

Se a paixão cresce muito, pode começar a dominar o apaixonado e se tornar uma patologia prejudicial tanto para o apaixonado quanto para o objeto da paixão.

Desejo


Este é o mais perigoso, porém o mais controlável dos três. Creio que seja o Ἔρως dos helénicos.

O desejo é querer possuir o desejado para si, quase sempre com implicações sexuais, mesmo que jamais sejam levadas a cabo.

Se mantido sob controle – o que não é difícil para qualquer pessoa civilizada –, o desejo é um bem vindo tempero em uma relação e necessário na relação entre marido e mulher. É a chamada química entre os amantes.

O problema é que apenas um pouco maior, e o desejo passa a controlar aquele que deseja.

Então ele se torna o mais perigoso de todos, pois o desejo, ao contrário dos dois sentimentos anteriores, não se preocupa com o desejado, apenas com satisfação própria.

Isso pode levar a situações muito perigosas, de acessos irracíveis de ciúmes até a abuso sexual – o famoso não que quer dizer sim, saca? Aprendam rapazes: não significa NÃO!

O mais esdrúxulo sobre o desejo em demasia é que muitas vezes o praticante de atos escusos é uma pessoa de bem! Apenas deixou o desejo passar dos limites e controlá-lo, o que não o exime do responsabilidade, já que o desejo é facilmente controlável em seus primeiros estágios.

O pior dos casos é a paixão associada ao desejo, que juntos são confundidos com amor e ganham proporções desastrosas.

Cumplicidade


O leitor se lembra que eu disse lá no começo que nenhum desses sentimentos é capaz de manter uma relação? Pois é, aprendi isso a duras penas…

Uma relação não se mantém sem amor, mas o amor não sustenta uma relação – mesmo porque amar é querer bem, mesmo que o amado esteja em outra relação.

Uma relação tem mais sabor com paixão, mas sobrevive sem ela, mesmo porque paixão dá e passa (é tão bom quando volta em ondas…).

Uma relação entre cônjunges por definição não existe sem desejo, mas uma relação sustentada por desejo em pouco tempo se degenera em pura obsessão, o que é extremamente prejudicial para ambos.

Então o que sustenta uma relação? A cumplicidade.

Não é bem um sentimento, mas a forma como as partes se relacionam. Quando marido e mulher, que é o caso mais crítico, são cúmplices, aí a relação se sustenta.

Casamentos sem cumplicidade viram rotina e costume – «eu me acostumei a ela(e)». É a pior farsa que duas pessoas podem viver e em algum momento elas certamente passarão a se odiar. Se você e sua(eu) namorada(o) ou noiva(o) não têm uma relação de cumplicidade, pule fora agora enquanto é tempo!

Ágape


Eu também disse lá trás que há uma quarta emoção, mas que não entraria em detalhes sobre ela. É Ἀγάπη.

Por curiosidade, apenas a cito e digo que se parece muito com a devoção religiosa, se a devoção religiosa não for apenas uma de suas facetas.

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Desculpe-me qualquer coisa, são apenas alguns demónios exorcizados, que apresento aqui domados.

[]’s
Cacilhας, La Batalema