2009-06-15

O sotaque das mineiras

O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar. Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar, sensual e lindo ficou de fora? Porque, Deus, que sotaque!

Mineira devia nascer com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à saúde. Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso? Assino achando que ela me faz um favor.

Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma. Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque. Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem: pode parar, dizem: «pó parar»).

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem – lingüisticamente falando – apenas de uais, trens e sôs. Digo-lhes que não. Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade. Fala que ele é bom de serviço. Pouco importa que seja um juiz de direito, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô. Se der no couro – metaforicamente falando, claro – ele é bom de serviço.

Faz sentido…

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: «cê tá boa?» Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário.

Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada. Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc). O verbo «mexer», para os mineiros, tem os mais amplos significados. Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com que você mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofício.

Os mineiros também não gostam do verbo conseguir.

Aqui ninguém consegue nada. Você não dá conta. Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz: Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não,sô.

Esse «aqui» é outro que só tem aqui. É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase. É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer, «olá, me escutem, por favor». É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.

Mineiras não dizem «apaixonado por». Dizem, sabe-se lá por que, «pêxonado com».

Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a toda hora: «Ah, eu pêxonei com ele…». Ou: «sou doida com ele» (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro). Elas vivem apaixonadas «com» alguma coisa.

Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe. É um tal de «bonitim», «fechadim», e por aí vai. Já me acostumei a ouvir: «E aí, vão?». Traduzo: «E aí, vamos?». Não caia na besteira de esperar um «vamos» completo de uma mineira. Não ouvirá nunca.

Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal. Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas.

No supermercado, não faz muitas compras, ele compra «um tanto de côsa». O supermercado não estará lotado, ele terá «um tanto de gente». Se a fila do caixa não anda, é porque está «agarrando» [aliás, «garrando»] lá na frente. Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!

Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará: Ai, gente, que dó. É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras.

Não vem caçar confusão pro meu lado. Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro «caça confusão». Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele «vive caçando confusão».

Para uma mineira falar do meu desempenho sexual, ou dizer que algo é muitíssimo bom vai dizer: «Ô, é sem noção». Entendeu, leitora? É sem noção! Você não tem, leitora, idéia do «tanto de bom» que é. Só não esqueça, por favor, o «Ô» no começo, porque sem ele não dá para dar noção do tanto que algo é sem noção, entendeu?

Capaz… Se você propõe algo e ela diz: capaz!!! Vocês já ouviram esse «capaz»? É lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer «ce acha que eu faço isso»? com algumas toneladas de ironia… Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: «Ô dó dôcê». Entendeu? Não? Deixa para lá.

É parecido com o «nem…». Já ouviu o «nem…»? Completo ele fica: — Ah, nem… O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito nenhum.

Você diz: «Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?». Resposta: «Nem…» Ainda não entendeu? Uai, nem é nem.

Leitor, você é meio burrinho ou é impressão? A propósito, um mineiro não pergunta: «você não vai?». A pergunta, mineiramente falando, seria: «cê não anima de ir»? Tão simples. O resto do Brasil complica tudo.

É, ué, cês dão umas volta pra falar os trem… Falando em «ei…. As mineiras falam assim, usando, curiosamente, o «ei» no lugar do «oi». Você liga, e elas atendem lindamente: «eiiii!!!», com muitos pontos de exclamação, a depender da saudade… Tem tantos outros…

O plural, então, é um problema. Um lindo problema, mas um problema. Sou, não nego, suspeito. Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras.

Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão. Se você, em conversa, falar: Ah, fui lá comprar umas coisas. Ques côsa? — ela retrucará. O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que.

Ouvi de uma menina culta um «pelas metade», no lugar de «pela metade». E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará: Ele pôs a culpa «ni mim».

A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios em Minas… Ontem, uma senhora docemente me consolou: «prôcupa não, bobo!». E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras, nem se espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um: «não se preocupe», ou algo assim.

A fórmula mineira é sintética. E diz tudo. Até o «tchau» em Minas é personalizado. Ninguém diz tchau pura e simplesmente. Aqui se diz: «tchau procê», «tchau procês». É útil deixar claro o destinatário do tchau. Então…

(Carlos Drummond de Andrade ou Felipe Peixoto Braga Netto)