2008-08-30

Super(des)interessante

Baal A cada dia mais me arrependo de ter renovado minha assinatura da revista Superinteressante.

Já foi uma revista boa, mas se tornou uma revista pop, defensora do pseudoceticismo, do sensacionalismo e da polémica.

Ataca com total parcialidade todo conhecimento alternativo ao senso comum europeu e muda de opinião sem escrúpulo quando determinada ideia ganha ou perde apoio popular.

Internet nos deixa estúpidos ou inteligentes?


Duas reportagens da Super deste mês apresentam pontos de vista radicalmente opostos de forma polémica em vez de destacar as informações e promover o desenvolvimento individual do conhecimento pelos leitores.

De um lado, Mark Bauerlein alega que a Internet deixa os jovens mais estúpidos porque as redes de relacionamento, como o orkut, criam bolhas sociais por faixa etária em vez de promover a troca de conhecimento entre grupos com idades e conhecimentos diferentes.

Os argumentos são muito bem amarrados e fazem total sentido, porém o autor não considera o conhecimento como um processo coletivo. Ele dá uma volta sem responder sobre o assunto e acaba transparecendo considerar a transmissão de conhecimento como um processo de mão única: alguém ensina e alguém aprende.

Já na outra reportagem, David Weinberger afirma que a Internet deixa as pessoas mais inteligentes, não apenas por promover a troca de conhecimentos, mas também porque libera a memória das pessoas de dados que podem ser simplesmente consultados na Wikipédia ou em outros sítios na Web.

No entanto, quando questionado sobre o efeito da câmara de eco – quando uma ideia é repetida muitas vezes, as pessoas acabam aceitando ela como verdade, não importando o quão absurda seja –, o autor classifica isso como uma profunda falta de entendimento sobre a natureza da conversa, ou seja, tapa o sol com a peneira e finge que o problema não existe.

O grande problema das reportagens não consiste nas teorias falhas de cada autor, mas sim no posicionamento subliminar da revista: em vez de apresentar as informações dos autores e deixar o leitor formar sua própria opinião a partir dos dados isolados e dos contextos particulares, a revista apresenta cada teoria como um bloco indissolúvel, ou seja, ou você aceita a existência da câmara de eco – e que o conhecimento é unilateral – ou você aceita que o conhecimento é um processo coletivo – e que não existe câmara de eco e o que os grupos sociais acreditam (neonazistas, antiarabistas, machistas, etc.) é verdade.

Livre-arbítrio


Um experimento informa que segundos antes de tomar uma decisão o cérebro da pessoa já entra em processo para tanto.

Esse experimento não comprova nada, apenas abre um leque de possibilidades interessantes de pesquisas.

Porém, em vez de admitir que a ciência não entende ainda como a coisa funciona e começar um longo processo de pesquisas e descobertas, os cientistas tiram conclusões prematuras e, em sua onisciência, deduzem que livre-arbítrio não existe.

Nada na pesquisa leva a essa conclusão, no entanto, é melhor tirar conclusões absurdas do que admitir que a ciência não é onisciente.

E a Super faz eco desses absurdos.

A cidade política


Numa sutil defesa das canalhices tucanas, a Super classifica o PSDB de partido conservador em vez de neoliberal e ainda define neoliberalismo eufemicamente, caso alguém perceba a desinformação.

Quem é menos burro?


Nessa reportagem, os autores defendem a ideia de que a mulher realmente não tem aptidão para ciências exatas.

Certa vez li uma pesquisa na revista Ciência Hoje – volume 42, julho de 2008, página 20 – que relaciona o desempenho das meninas em matérias exatas ao nível de igualdade social entre sexos de cada país.

Nessa pesquisa, quanto maior a igualdade social entre sexos, mais próximas são as médias de meninos e meninas. Ou seja, mulheres são educadas para não competirem com os homens em ciências exatas, mas são tão capazes quanto.

E a Super segue remando contra a maré em defesa do status quo, da cultura pop e do machismo, e em detrimento da verdade e das mulheres.

Prêmio Nobel é para engodos


Para fechar com chave de ouro a coleção de desinformações na Super deste mês, na página 102 eles classificam o Tao da Física – livro com o qual Fritjof Capra concorreu a e, se não me engano, ganhou o Prêmio Nobel – como engodo.

Aí me pergunto quem tem maior confiabilidade: a Superinteressante ou o Prêmio Nobel…?

Isso sim


Depois de ter malhado tanto a revista, algumas reportagens se salvam:
  • «Por que sal no gelo esfria a cerveja mais rápido?», página 52
  • «Os maiores cérebros do mundo», página 64
  • «A saga cigana», página 80
  • «Engordar, pecar, sofrer», página 86
  • «Dez mil anos de pileque», página 92


Mas se você quiser uma revista científica realmente séria, assine a revista da National Geographic Society. É uma revista séria, imparcial e verdadeiramente informativa.

É o que vou fazer – estou cansado de ter de ir às bancas para comprá-la.

[]'s
Cacilhas, La Batalema